NO ARMAZÉM DE MEU PAI
Varrendo os ciscos, os papéis, as tampinhas de garrafa, todo dia, eu aprendi a amar a limpeza, mas não de forma neurótica. Varrendo, aprendi a ter disciplina. Eu só tinha nove ou dez anos, mas já varria com método, coreografando uma espécie de dança com a vassoura, meditando, desenhando na poeira coisas que combinassem com as irregularidades daquele chão. Varrendo, eu planejava a minha vida. Varrendo ciscos geométricos por sobre os cacos coloridos da cerâmica vermelha eu construía uma louca arquitetura de mistérios insondáveis. E então chegavam clientes querendo talvez meio quilo de açúcar. Ou duzentos gramas de mortadela. Às vezes um pão sovado. Não importava: em qualquer das hipóteses, antes de atendê-los, eu me transformava no Balconista do Olimpo — e os atendia sempre sorrindo. Ou seja, varrendo e vendendo, eu aprendi a perceber padrões. A interpretar as circunstâncias. Varrendo e vendendo, eu aprendi a ser cigano, a ler as mãos — e ver a Sorte.
Ele era o símbolo da autoridade, e eu — da rebeldia. Nenhum de nós dois gostava de repartir a liderança. Eu não nasci pra ser segundo, e ele abominava a ideia de não ser o primeiro. Então, quando fiz dezessete nos separamos: eu vim estudar filosofia, e ele continuou um ótimo comerciante. Foi então que começamos realmente a conversar. Depois, com o tempo, nos tornamos amigos. Hoje, somos amantes.
O AMOR É UM ALIMENTO
Ao sugar o seio da minha mãe, eu não apenas mamava: eu já calculava a área total do mamilo, a vazão do leite por segundo, a temperatura da sua pele em contato com meus lábios, a posição mais adequada da minha língua, o movimento sensual da minha boca, a intensidade da sucção, o tempo perfeito da própria saciedade, o pulso do coração, a respiração poética do espírito santo, e o prazer que era sentido por mim, e por ela. Tudo isso excitava o meu neo-córtex cerebral, onde as emoções mais profundas se colocam de uma vez por todas. Mas, confesso, antes do leite, antes do cálcio, antes das vitaminas — eu precisava mesmo era do amor que ela me dava. Este foi o meu primeiro e mais querido alimento: o amor.
Desde criança, portanto, eu me alimento de mulher e liberdade, de loucura e matemática, de risco e paixão, de amor e poesia. Acontece que depois, pouco a pouco, fui trocando o leite por vinho branco. E agora vivo sempre em busca de novos seios.