BIG BOOM
Há hoje no meu peito uma explosão em vias de acontecer. Contida pelo seu próprio desejo de ser maior, ela se alimenta com o sangue vermelho das minhas paixões. Ela respira, pulsa, espera, espreita, suspira, prepara-se como se preparasse um salto. Há hoje dentro de mim uma deliciosa explosão em vias de acontecer. Mas os sentidos são duplos: encontrar-me apenas como metáfora de mim é a maior das perdições. A vida é uma floresta.
E NÃO VAI DAR PRA SALVAR TODO MUNDO
Quando vejo uma criança brincando ali na praia numa saída de esgoto, pensando ser aquilo um riozinho quente de água doce; quando vejo a branquela estendida na areia, queimando-se mais do que pode nesse sol de meio dia e se arriscando a um câncer de pele; quando vejo o jovem imbecil fazendo sincera declaração de amor à sua noiva, prometendo fazer tudo por ela — pensando seriamente em se casar, constituir família, ficar responsável; quando vejo o gordinho esparramado feito porco na esteira de palha, ressonando após ter comido um prato cheio de gorduras e tomado cinco ou seis latinhas de cerveja; quando vejo o senhor grisalho pensando em negócios à beira do mar e falando ao telefone em vez gozar a vida; quando vejo um casal de burros solidários tomando seu segundo sorvete; quando vejo essas coisas, chego a pensar: — será que eu devo ir lá? — cutucar cada um deles, chamar-lhes à razão, e dizer: “Ô criança; Ô gordinho; Ô branquela; Ô jovem, Ô senhor, Ô senhora: — Tomem cuidado: vocês estão fazendo besteira... Vocês vão acabar se fodendo!”
Você acha que eu deveria me preocupar com esses descuidados, tentar salvá-los, mostrar-lhes o caminho da verdade, da saúde, da vida, da liberdade, do amor?
— Não!
Que se fodam, portanto.
E que leiam as mágoas de Florbela Espanca.
Fico me lembrando.
Dizem que havia uma colônia de vermezinhos sonolentos no fundo de um lodaçal. De vez em quando, sem nenhuma razão aparente, alguns subiam à superfície e nunca mais voltavam. Isso deixava perplexos aqueles que permaneciam. O que será que tem lá em cima, que tipo de perigos haveria? – eles se interrogavam, entre um bocejo e outro. Até que certo dia um deles acordou, pôs a mão no coração e prometeu aos seus irmãos: “Vou subir e depois volto para contar a vocês como é o mundo lá em cima.” Preparou-se bem, leu Nietzsche, armou-se de coragem, estudou, meditou, desfez as malas, aguou suas plantinhas, despediu-se dos amores — e subiu. Mas, assim que chegou à superfície, viu Luz, transformou-se numa libélula, entusiasmou-se — criou asas — e voou livre como um louco para o azul do céu...
E agora já não pode mais retornar ao fundo do lodo.
Morreria se voltasse!
Certas promessas jamais serão cumpridas.
Assim como certas metáforas jamais serão compreendidas!
A propósito disso e quando penso naquele meu irmão contador, vinte e cinco anos de opressão, sinto uma vontade fraternal de lhe fazer uma pergunta, olhando bem fundo nos olhos dele, e dizer:
— Querida minhoca, por que você, em vez de continuar cavoucando, não cria asas — e voa?
Mas logo me contenho: um contador nunca entenderá um poeta.
Confesso: tem segredo que guardo como se meu. Por exemplo: pensei em chamar este livro de “Bíblia Sagrada – volume 2. Edição revista e ampliada”. Sou louco, mas nunca digo que tenho o poder da cura: pois haveria então enorme procissão de desgraçados querendo tocar-me o manto sagrado com as pontas sujas dos seus dedos trêmulos. Uma horrorosa multidão de enfermos desvalidos ao redor de mim, buscando a cura para seus males de amor. Bando de lazarentos rondando ansiosos minhas doces alegrias. Não — eu nunca vou dizer que tenho o poder da cura! Não sou louco! Em verdade, só posso curar aqueles que já são saudáveis, e me curam antes...
CADA UM POR TODOS, DEUS POR SI.
Assim como Sócrates, eu sigo sempre um raciocínio para onde quer que ele conduza. Mas não é só meu cérebro que cria conceitos. Sigo também meu coração, para onde quer que ele conduza.
Só tem uma coisa pior do que morrer: — é viver pouco.
A máscara que cobre a minha dor é sorridente.